O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) atendeu parcialmente a apelo do Município de Alvorada e condenou empresa à indenização por descumprimento contratual relativo à gestão informatizada de dados públicos. A decisão é do Desembargador Newton Fabricio, que reconhece falhas na migração e desenvolvimento de sistemas de software, além da indisponibilidade de dados da Administração Pública.
O valor a ser pago pela empresa Startnet Consultoria Hardware & Software Ltda. a título de indenização é de R$ 282.100,00.
No recurso, o Município destacou uma série de problemas ocorridos durante a vigência do contrato com a Startnet, de 2009 a 2015, e pleiteou, além do ressarcimento, que a empresa disponibilizasse os dados da Administração Municipal contidos em sistema (COBOL) para o Município ou empresa que viesse a ser contratada e para que fosse a ré impedida de suspender a prestação dos serviços.
O contrato firmado previa a aquisição de licença de uso de uma solução (serviços e sistemas) informatizado de gestão pública, obrigatoriamente em plataforma Windows ou sistema operacional similar, com a entrega do código fonte e dicionário de dados ao Município, implantação, conversão e migração de dados existentes, suporte técnico ao usuário com assessoria permanente, com alterações legais, corretivas e evolutivas com contrato de desenvolvimento, customização de sistemas e suporte técnico.
Decisão
No acórdão, o julgador comentou que diversos Termos Aditivos a esse contrato original foram celebrados nos anos seguintes para viabilizar a realização de serviços relacionados aos sistemas municipais.
“Muito embora no aspecto formal a relação perpetrada pelas partes leve a crer que a contratação foi bem sucedida, haja vista os inúmeros instrumentos para a perpetuação da relação celebrados desde o contrato originário”, observou o Desembargador Fabricio, “a verdade é que, materialmente, foi justamente a insatisfatoriedade dos serviços prestados e a dependência de sistemas mal estruturados e ineficientes que ocasionaram a prorrogação infindável das avenças”.
Entre os problemas ele cita erros identificados no sistema COBOL pelo setor de dívida ativa relacionados à inconsistência dos cálculos realizados entre valores pagos pelos contribuintes em parcelamentos realizados junto ao setor de dívida ativa, e falhas sistêmicas relacionadas aos setores de pessoal e folha de pagamento.
O Desembargador relator ainda sopesou, de um lado, a alegação de manifesta afronta, para além das regras específicas que regem a relação contratual especificadas no contrato originário, aos preceitos que hoje vigoram no prisma nacional – e internacional – quanto às inovações necessárias ao aprimoramento dos serviços públicos na era digital; e, de outro, o argumento da empresa de que as intercorrências observadas se deram pela ausência de pessoal qualificado no âmbito público municipal para manuseio dos sistemas. No entanto, concluiu:
“Apesar da vasta documentação trazida pela contratada, as correções e suporte técnico em tempo proporcional à urgência com que as demandas necessitavam ser sanadas não comprovam o cumprimento do que foi pactuado com a qualidade mínima esperada, ainda mais se considerada a complexidade inerente aos serviços informáticos na atualidade.”
Descumprimento
Em outro ponto da decisão, o Desembargador Newton Fabricio tratou da importância da interoperabilidade na gestão de dados públicos, o que deveria ter sido providenciado pela empresa ré. “Em suma, está-se inviabilizando não apenas o normal desenvolvimento das atividades no âmbito municipal, mas também prejudicando a coletividade, na medida em que, cada vez mais, em uma sociedade movida a dados, exige-se uma interlocução constante com os canais digitais”.
E completou: “No caso, o contexto situa-se e diz para com não somente a necessidade de modernização de fluxos processuais que viabilizem mais agilidade, menos dispêndio financeiro e melhor alocação de capital humano, mas também com os desafios da interoperabilidade, condição essencial a provisionar, no plano micro, a autodeterminação informacional plena e, no plano macro da esfera pública, a autonomia dos entes na consecução do interesse público e de sua função institucional.”
O integrante da 1ª Câmara Cível abordou o tema à luz da Lei nº 14.129/2021, que estabelece princípios, regras e instrumentos para o funcionamento de um governo também digital pautado pela eficiência, publicidade e moralidade.
“Eficiência contém ligação direta com a ideia de digitalização, de desburocratização, de modernização e acessibilidade. Por sua vez, a publicidade dos atos é hoje ligada à ideia de interoperabilidade, muito difundida no setor bancário, mas que, com a internalização e disseminação dos princípios reitores da novel Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) irradia-se de forma plurissetorial. Por fim, a moralidade, na medida em que, por meio da conferência de modo simples e transparente dos atos públicos, viabiliza-se a sua mensuração segundo padrões éticos, de boa-fé, decoro, lealdade e honestidade na prática diária da boa administração”, completou.
Cabe recurso da decisão. A íntegra pode ser acessada no site do TJRS.
Processo 5001533-16.2015.8.21.0003